No final do século XIX e início do século XX, os veículos elétricos rivalizavam em termos de vendas com os veículos a vapor e os de combustão interna. Para sermos mais concretos, no início de 1900 até havia mais veículos elétricos a serem vendidos nos Estados Unidos do que de qualquer outro tipo, muito por causa das suas vantagens: eram silenciosos, não exigiam grandes conhecimentos, como ter de mexer em manivelas, embraiagens ou caixas de velocidade; e a sua autonomia limitada não constituía problema pois eram usados para curtas viagens.
Mas o advento da exploração petrolífera, a que se soma a introdução do motor de arranque elétrico e ainda a produção em série desenvolvida por Henry Ford, tornaram os carros com motores de combustão interna mais práticos mas, sobretudo, mais baratos e acessíveis. A consequência foi que a mobilidade elétrica passou grande parte do século XX remetida para o limbo da História, ou, se preferirem, resumida aos campos de golfe. Mas os últimos sete anos foram de renascimento para os veículos elétricos. Em causa estão vários fatores como grandes avanços tecnológicos, necessidadede reduzir emissões e ainda incentivos governamentais.
Mesmo assim, o desempenho comercial dos veículos elétricos continua bastante modesto, para já. Desde 2010, o Nissan Leaf só vendeu 230 mil unidades e é o veículo elétrico mais vendido em todo o mundo. Os relatórios sobre o mercado automóvel global são consensuais ao afirmar que os elétricos ocupam apenas uma quota de 0,6% das vendas totais de veículos novos na Europa Ocidental, com os analistas a admitirem que esta percentagem até poderá estar a baixar atualmente.
O cerne da questão está nas baterias que alimentam estes carros. São a principal causa da chamada ansiedade da autonomia - o medo de ficar parado na estrada sem poder efetuar um carregamento de energia. E são também as baterias as responsáveis por um terço dos custos de produção de um elétrico, o que se traduz em preços muito elevados para este tipo de mobilidade. Por exemplo, um Volkswagen E-Up! é vendido na Alemanha a 26.900€, ao passo que o mesmo modelo convencional se fica entre os 9.850€ e os 14.025€, ou seja, na pior das hipóteses, são mais de 10 mil euros de diferença.
Mesmo com elevados subsídios por parte dos governos, os elétricos são muitas vezes os mais caros do seu segmento. Apesar de tudo, este problema está a ser combatido pela indústria. Segundo a agência de notícias Bloomberg, o preço das baterias caiu cerca de 35% em 2015. E o interesse em investir é grande, como se pode ver pela Tesla, que está a construir uma Gigafactory para, em 2020, produzir num só ano tantas ou mais baterias de iões de lítio do que o total de baterias produzidas em todo o mundo em 2013.
Estes são passos que mostram que os elétricos procuram a economia de escala e reduzir custos. O trabalho de desenvolvimento centra-se agora no rápido aumento da autonomia das baterias dos carros elétricos, um esforço que nalguns casos tem o desporto automóvel como base de testes, como é o caso da Renault, que desenvolve veículos elétricos e participa na Fórmula E.
Vigiar o peso
“Nós desenvolvemos o Aston Martin RapidE e o Nissan BladeGlider, ambos carros elétricos de cunho desportivo, e estamos a trabalhar numa bateria híbrida muito avançada para mais uma marca topo de gama”, explicou o diretor técnico da Williams Advanced Engineering, Paul McNamara. Esta empresa forneceu os motores elétricos usados na Fórmula E desde 2013. Para McNamara, a luta pelo aumento da autonomia das baterias é das mais simples que pode haver, o que não quer dizer que seja das mais fáceis. Basicamente, é uma pesquisa que se resume à relação entre as variáveis peso e tamanho: uma bateria de um carro elétrico consiste em dezenas ou centenas de células ligadas entre si e o seu desempenho é medido em kWh (quilowatt-hora). Quanto maior for o número de kWh por quilo de bateria, maior é a autonomia. À medida que a autonomia aumenta, as baterias ficam mais largas, pesadas e caras.
“Estamos a trabalhar em baterias para topo de gama, que pesam entre 600 e 700 kg, o que é aproximadamente um terço do peso de um carro”, descreveu Paul McNamara. “O desafio nos próximos cinco a 10 anos é aumentar a autonomia das baterias para os 650 quilómetros ou mais. Ou então conseguir diminuir drasticamente o peso das baterias, na ordem dos 20 a 30%, o que também aumenta a autonomia”, acrescentou. Vejamos o caso de outro veículo que se está a impor no mercado: a bateria do Renault Zoe pesa 240 kg, de um total de 1468 kg.
O diretor mundial de vendas de viaturas elétricas da Renault, Guillaume Berthier diz que, enquanto os ganhos de eficiência estão a ser feitos através da bateria, a Renault também tem como alvo dos seus esforços o interface entre baterias e o motor elétrico, aplicando nesse ponto as lições obtidas na Fórmula E nessa matéria. “É o método Kaizen, em que várias pequenas melhorias contribuem para os ganhos gerais de eficiência”, resumiu Berthier. O diretor de vendas de elétricos da Renault também vê um futuro em que diferentes opções de baterias vão estar cada vez mais à disposição do consumidor, tal como a Tesla já o faz atualmente. “Temos de nos adaptar aos diferentes tipos de consumidores. Alguns consumidores podem preferir a maior autonomia possível, mesmo que isso eleve o preço, mas outros irão optar por um preço mais baixo e menor autonomia, pois a suas necessidades diárias são menores”.
A tecnologia de iões de lítio parece ter-se imposto como a principal opção, isto depois de se ter tentado outras opções como as baterias de hidreto metálico de níquel. “Até poderão aparecer outras tecnologias de baterias, que consigam ser disruptivas, mas para isso terão de provar que trazem benefícios substanciais face às baterias de iões de lítio”, considera McNamara. “Há enormes avanços a serem feitos pela indústria na área das baterias com os iões de lítio e, por isso, é expectável que em breve haja um crescimento da quantidade de quilowatts por quilo de bateria na ordem dos 5 a 6% por ano. Por muito que a densidade energética das baterias aumente a autonomia, o peso das baterias irá sempre ser preponderante na equação: quanto menos um carro pesa menos energia precisa", resumiu.
“Cerca de 60% da bateria é composta por células que armazenam a energia, mas os restantes 40% são a estrutura de segurança contra incêndios e impactos, os sistema de arrefecimento e de controlo e ainda as ligações elétricas ao motor, que são enormes pois têm de aguentar correntes na ordem dos 600 amperes”, explicou Paul McNamara. Também Berthier, da Renault, concorda que "é importante ser eficiente e poupar no peso”. Os sistemas elétrico, de temperatura e ventilação também afetam a autonomia das baterias: só o aquecimento pode reduzir a autonomia em 20%.
Acústica menos gastadora
Mas há outros fatores, indispensáveis para muitos consumidores, que também precisam de ser resolvidos para não afetar a autonomia. Um deles é o gasto de energia com o som no habitáculo. A Porsche já está a trabalhar nos sistemas de infoentretenimento. Tendo revelado em 2015 o Mission E, um concept-car desportivo totalmente elétrico, este já deverá trazer sistemas áudio de qualidade superior. É que cerca de 80% dos clientes da Porsche optam por instalar potentes sistemas de som Bose, com 10 a 15% dos restantes a escolher um topo de gama da marca Burmester. “A nossa próxima grande tarefa é trabalhar os sistemas de som de forma a serem mais poupados”, revelou o engenheiro de som Matthias Renz. “Um sistema de som com 1.500W consome energia e reduz a autonomia de um elétrico. Os nossos mais recentes tweeters (colunas de sons de alta-frequência) tem uma película mais leve e um íman mais forte para uma maior performance e eficiência.
Os ganhos tangíveis estão já a deixar marcas: quando o Renault Zoe foi lançado, em 2012, a sua bateria de 22 kWh oferecia uma autonomia de 208 km. Esse valor aumentou recentemente para os 238 km com um motor e um sistema de controlo mais eficientes. Mas, no Salão de Paris do ano passado, a Renault anunciou um novo motor de 41 kWh para o Zoe, que elevou a autonomia para os 400 km, quase dobrando o primeiro valor em apenas quatro anos. Esta bateria mantém o mesmo tamanho e só pesa mais 22 quilos.
A Tesla Motors, a primeira marca a usar baterias de iões de lítio, mostrou recentemente um novo pack de bateria de 100 kWh para o Model S e Model X. A química das células cilíndricas – a maioria dos fabricantes usa baterias com células revestidas a folha – mantém-se inalterada, mas as baterias acumulam mais energia com o mesmo espaço. Em resultado disso a autonomia sobe dos 460 km para bem acima dos 480.
Os fabricantes confiam que uma maior autonomia das baterias, associada ao alargamento da rede de carregamentos elétricos – existem atualmente 60 mil pontos públicos de carregamento na Europa -, assim como a redução do tempo de carregamento, vai suscitar uma maior procura de veículos elétricos por parte do consumidor. E se tal acontecer, a economia de escala irá acelerar, reduzindo os custos das baterias e, por isso, os custos dos carros elétricos. Para Berthier, "isso já está a acontecer, já entrámos no círculo virtuoso da produção de baterias”, garantiu este responsável da Renault.
Se a Bloomberg noticiou que os preços das baterias baixaram cerca de 35% em 2015, ao mesmo tempo as vendas de veículos elétricos terão subido cerca de 60%, o que leva aquela agência de notícias a prever que os elétricos atinjam a paridade de preço dos veículos a combustão entre os anos de 2022 e 2028. Se aquela análise se provar correta, os veículos elétricos vão estar numa posição forte para reconquistar a liderança de vendas pela primeira vez no último século.
"Ainda faltam alguns anos para o elétrico dominar”
Para o Presidente do ACP Motorsport, Mário Martins da Silva, o futuro do automóvel elétrico ainda “vai passar pelo híbrido, em que coabitam os motores de combustão e elétrico”. Isto porque, “ao contrário do que pode parecer pelas notícias sobre elétricos, o motor de combustão ainda vai durar muito tempo". Ou seja, vai caber aos híbridos, sobretudo Plug-in, fazer a transição gradual entre os dois modelos, "não só por causa da autonomia limitada dos elétricos, mas também porque não é de um momento para o outro que se larga os combustíveis fósseis e toda a estrutura montada em redor da extração, refinamento, armazenagem, transporte e revenda do petróleo”, explicou. O crescimento da consciência ambiental por parte do consumidor, a par de eventuais crises energéticas causadas pela previsível escassez do petróleo, são as razões que, na sua opinião, têm motivado as marcas a investir nesta tecnologia, “o que acho muito bem, pois é muito importante desenvolver alternativas".