Entrevista a Francisco Duarte, um dos sócios fundadores

 

Artigo 50-A do código da Estrada em análise 


Foi com uma “Pão de Forma” transformada que Francisco Craveiro Duarte (sócio fundador nº113 do Clube ACP Autocaravanismo) se estreou na modalidade, que teve na viagem ao Canadá Ocidental um dos pontos mais altos.

Como despertou para o autocaravanismo?

Fazia campismo de tenda quando era adolescente, nos anos 60. O material de que dispúnhamos nessa altura em Portugal era muito rudimentar, mas já havia turistas estrangeiros que se deslocavam em maravilhosas Wesphalia's Marco Polo e Hymer’s. Nos anos 70 comprei uma VW Transporter T2 ("Pão de Forma") e importei um kit Westphalia. Mais tarde importei uma Rapido Randonneur, integral, com motorização Mercedes-Benz, automática.

Qual foi a experiência que mais o marcou ao longo destes anos todos?

Uma longa viagem ao Canadá Ocidental, Ontario, Quebec, os lindissímos parques naturais, as cidades mais importantes, Montreal, Toronto e Otawa. Lembro-me que aluguei uma autocaravana em que o WC tinha banheira!

É um dos sócios fundadores do ACP Autocaravanismo. Porquê?

Sou sócio do ACP desde 1978 e foi através do clube que consegui legalizar a transformação da "pão de forma", inicialmente designada de carro cama. Também era através do ACP que obtinha a carta de campista em tempos indispensável para frequentar parques de campismo. Hoje e numa altura em que se devem apoiar os devoradores de quilómetros, que são os autocaravanistas, associei-me a um dinâmico grupo de sócios que passou à acção e criou um clube de autocaravanismo.

O que espera do clube na defesa e promoção da modalidade?

Que promova o autocaravanismo e as suas boas práticas, que chame a si os mais jovens praticantes desta modalidade, que interaja com o Estado e as autarquias, contribuindo para o desenvolvimento do nosso interior. Mas também cooperar neste domínio com congéneres europeus para que nos mantenhamos informados sobre o comportamento adequado no resto da Europa.

A alteração ao artigo 50º-A do CE é um dos grandes anseios dos autocaravanistas.

Esse artigo é discriminatório, resultou da pressão exercida por alguns lobbies que até foi moderada pela distinção entre "estacionamento" e "pernoita".

O resultado foi uma coisa sem jeito que permite a um automobilista dormir no carro onde quer que estacione, sem quaisquer condições, mas um autocaravanista não pode fazê-lo. É importante alterá-lo e parece que as coisas se estão a encaminhar para uma solução equilibrada.

Acha que a opinião pública está sensibilizada para o autocaravanismo praticado de forma responsável?

Acho que não, embora os autocaravanistas sejam na sua esmagadora maioria responsáveis. Mas há uma grande confusão no público que fica por esclarecer por quem o deve fazer. Essa é também uma missão do ACP Autocaravanismo. Se perto de uma praia está uma autocaravana, toda a sujidade provocada pelo uso daquele espaço por centenas ou milhares de pessoas é-lhe atribuída.

Então a culpa é da falta de infraestruturas.

As autarquias ou as entidades concessionárias deviam estruturar melhor esses locais para que numerosas pessoas possam deles usufruir durante muitas horas seguidas. Naturamente, que esses níveis de frequência originam necessidades diversas e obrigam a um número adequado de instalações sanitárias, à sua higienização, recolha de lixos, etc. Neste aspeto, as entidades locais públicas ou concessionários têm a responsabilidade de resolver o que até é do seu interesse, ou será mais fácil criar o mito do autocaravanista que atira lixo e dejectos para as moitas quando até é autónomo do ponto de vista de instalações santárias?

Acha, então, que as entidades envolvidas também ainda não estão devidamente sensibilizadas para este tipo de turismo itinerante que deve ser praticado de forma sustentável.

Às autarquias e às estruturas públicas que gerem o turismo desejamos que estejam conscientes de que este segmento do mercado turístico é muito importante em particular para o interior do País, que aliás tem investido muito na atracção pela Natureza (praias fluviais, passadiços para caminhadas paisagísticas, observação da fauna e flora).

Os autocaravanistas são pessoas que amam a Natureza, por isso procuram estar mais perto dela. É inconsequente pensar que pessoas que têm a capacidade de comprar ou alugar veículos dispendiosos para fruir a Natureza, não respeitam o ambiente que as rodeia. Devem ser preparados mais locais adequados para receber autocaravanas. Designamos esses locais de ASA's (Áreas de Serviço de Autocaravanas) que se desejam colocados em zonas agradáveis, próximas de centros de interesse e servidos por transportes que permitam reduzir o tráfego das autocaravanas nos centros habitacionais durante as visitas. O autocaravanista é normalmente um visitante itinerante embora tranquilo, culturalmente atento e curioso, além de ser um consumidor de produtos regionais onde quer que esteja e os pequenos negócios locais agradecem.

Quais são as grandes diferenças na prática da modalidade em Portugal e no estrangeiro?

Na Europa penso não haver grandes diferenças de conceito, embora nos países mais ricos haja proporcionalmente muito mais praticantes e onde há muito maior recurso ao aluguer porque a capacidade económica é maior e o autocaravanismo é caro.

Nos Estados Unidos e no Canadá o autocaravanismo tem conceitos diferentes. É menos itinerante, o que acaba por ter importancia significativa nos equipamento dos veículos e nas infraestruturas dos parqueamentos (por exemplo, é vulgar nos parques naturais haver terminais, individuais para cada veículo, de fibra óptica.

Afinal foi por lá que se iniciou o autocaravanismo.

Que conselhos daria a quem se vai iniciar?

Começar pelo aluguer antes de aquirir um veículo e viver a experiência nas várias épocas do ano. Se decidir adquirir um veículo, já sabe o que melhor lhe convém e depois é sentir o prazer de não precisar de programar nada (o planeamento virá depois conforme o temperamento de cada um e se se tratam de grandes viagens ou não). Viajar com o indispensável a bordo, porque a caminho terá sempre oportunidade de se reabastecer. E, se possível, é jantar logo no primeiro dia sob um céu estrelado e na manhã seguinte abrir a porta para a Natureza enquanto trinca uma torrada e bebe um café…

Que erro jamais devem cometer?

"Quem vai ao Mar avia-se em Terra". As autocaravanas normalmente não são veículos que andem anualmente muitos quilómetros, mas é preciso cuidar bem de tudo, mecânica, pneus, baterias e não esquecer os sistemas próprios do habitáculo, como o gás, bomba de água, aquecimento ou frigorífico, para não se ter a viagem estragada, mesmo contando com o apoio muito especial do ACP.

Que viagem não devem perder?

Cada um pode ter os seu sonhos. Eu gostaria de alugar uma autocaravana na Nova Zelândia e conhecer os seus parques em imersão total.

Ter espírito de autocaravanista é…

...sentir a Natureza e fazer reviver os nossos genes nómadas, que levaram a humanidade para todos os pontos da Terra, procurando conhecer e satisfazer a curiosidade permanente.

 

in suplemento ACP Autocaravanismo - julho 2021

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