O comunicado difundido hoje pela Autoridade da Concorrência (AdC) é esclarecedor.
A AdC anuncia pública e impunemente a sua recusa em fazer o que lhe compete e nem disfarça: investigar as queixas que lhe são apresentadas e garantir o livre funcionamento do mercado em concorrência.
Precisamente no momento em que a opinião pública e as forças políticas questionam e até criticam a actuação da AdC, esta resolve criar uma manobra de diversão primária para fugir do foco das atenções.
A recusa em investigar a queixa do ACP fundamentada e com indícios de falta de concorrência, só pode ser entendida à luz da desregulação que grassa naquela entidade.
A esta queixa, a AdC nem sequer iniciou o processo de investigação previsto na lei.
Vem agora a AdC tentar fazer da Comissão Europeia uma tábua de salvação para a sua inoperância grosseira.
O ACP nunca apresentou qualquer queixa à Comissão Europeia relacionada com o mercado dos combustíveis em Portugal, nem o podia fazer visto – no entendimento da própria Comissão Europeia – estarem em causa matérias localizadas na esfera de competências da Autoridade da Concorrência (“AdC”) portuguesa.
O ACP limitou-se a informar a Comissão, por meio de carta de 8 de Setembro de 2010, da anunciada abertura do posto de abastecimento “Galp Base” em Setúbal, tendo a Comissão respondido por carta de 19 de Outubro de 2010, conforme é referido no Comunicado de hoje da AdC.
Em Outubro de 2010, a Galp Energia propôs uma acção judicial contra o ACP na qual afirmou explicitamente que a sua estratégia seria a de vender combustíveis a preços baixos “…apenas em mercados onde os postos galp – por via da entrada dos hipermercados – registaram uma acentuada quebra de vendas…”
Tendo em conta este novo dado, e aproveitando um extenso trabalho de análise efectuado na preparação da contestação na referida acção, o ACP apresentou em 16 de Novembro de 2010 uma queixa formal à AdC solicitando expressamente a abertura de um inquérito a um conjunto de factos novos e fornecendo informação detalhada e um extenso acervo de documentos.
No âmbito desta queixa, o ACP forneceu à AdC, entre outras matérias: (i) análises técnicas à composição dos combustíveis Galp Base (comprovativas da utilização de aditivos nos mesmos); (ii) informação sobre o preço de aquisição de aditivos pelas empresas petrolíferas; (iii) análise detalhada sobre o funcionamento dos esquemas de promoções disponibilizados nos postos de abastecimento da rede Galp Energia; (iv) análise dos níveis de rentabilidade das lojas exploradas nos postos de abastecimento da rede Galp Energia.
A Comissão Europeia nunca se pronunciou sobre este conjunto de factos, desde logo porque os mesmos nunca lhe foram transmitidos pelo ACP (que em Setembro de 2010 ainda os desconhecia).
É, assim, falso que a Comissão Europeia tenha alguma vez considerado, relativamente aos factos que foram objecto de queixa apenas à AdC, “não existirem razões para desenvolver quaisquer diligências ou desencadear uma investigação relacionada com o mercado dos combustíveis líquidos em Portugal”, como é referido no Comunicado n.º 03/2011 da AdC.
Acresce, para além disso, que na mesma carta de 19.10.2010, a Comissão manifestou claras dúvidas quanto à justificação para os preços dos combustíveis Galp Base serem mais baixos, tendo afirmado que “…não é claro até que ponto os preços mais baixos oferecidos pelo ‘Galp Base’ são explicados pela menor qualidade da oferta de produto e por um menor nível de serviço do que um consumidor poderia esperar num posto de abastecimento normal da rede Galp.” (tradução nossa)
O ACP considera lamentável que a AdC, ao arrepio da posição isenta e imparcial que deve ser a de uma autoridade de concorrência independente, insista em distorcer os factos para justificar a sua, cada vez mais insustentável, demissão do exercício das competências que a lei lhe comete, aliás em exclusivo, para defesa da estrutura concorrencial dos mercados e dos interesses dos consumidores portugueses.
O que está em causa é apenas, e tão só, o cumprimento do dever que a lei impõe à AdC de investigar um conjunto de factos novos da maior relevância, que ainda não foram investigados, nem pela Comissão Europeia, nem pela Autoridade da Concorrência.
Por tudo isto, este panfleto da AdC mostra bem que o ACP tem razão quando questiona: Autoridade de quê?
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2011.