A proposta de Orçamento do Estado apresentada pelo Governo é uma manobra ilusória para os contribuintes e altamente penalizadora para quem tem viaturas anteriores a 2007.
Portugal tem um dos parques mais envelhecidos da Europa, com uma média de 13,5 anos, acompanhada de uma das piores taxas de sinistralidade rodoviária da UE. Tentar contornar esta realidade à custa do esbulho fiscal sobre quem não tem recursos para comprar viaturas novas ou retirar-lhes liberdade de escolha na sua mobilidade é altamente lesiva da economia e da democracia.
Regresso do incentivo ao abate
A proposta de orçamento é uma manobra ilusória porque apresenta boas intenções como o incentivo ao abate para 45 mil viaturas anteriores a 1 de julho de 2007, mas não concretiza. A medida não consta do documento, mas no relatório, que indica que será o Fundo Ambiental a distribuir cerca de 129 milhões de euros para este efeito, isto é, cerca de 2900 euros de apoio para quem quiser abater a sua viatura. Resta saber quando e quais as regras para as candidaturas.
Outro ponto positivo a registar, é o Governo admitir finalmente que os contribuintes abrangidos por este apoio podem comprar veículos com motores a combustão, desde que sejam novos, ou seja, em linha com as metas de redução de impacto ambiental.
O documento ilude também pela carga fiscal sobre os automobilistas. O IUC (para veículos posteriores a 2007) segue em linha com a inflação, mas o aumento do ISV em 5% é superior a ela. Já no Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), apenas é referido um aumento da receita do Estado na ordem dos 13,4% devido ao “descongelamento progressivo da taxa de carbono”, iniciado em maio último. O Governo acrescenta um efeito de neutralidade devido à devolução da receita adicional do IVA sobre este imposto, sem apontar data para a sua manutenção nem tão pouco a quantificar. No que toca à taxa adicional do ISP, mantem-se num anexo do documento. Esta medida transitória do tempo da troika transformou-se em mais uma receita adicional com caracter definitivo, penalizando todos os automobilistas, com especial enfoque para os transportes de mercadorias.
Já no que respeita à tributação autónoma, a redução de 1,5% deste imposto é uma medida positiva, ainda que peque por não atualizar os escalões que não refletem a inflação há mais de dez anos nem sequer o aumento do ISV, que tem sido uma constante ao logo dos anos.
Aumento brutal de IUC para mais de 40% do parque automóvel
Três milhões de veículos anteriores a 2007 vão sofrer um aumento brutal em sede de IUC a partir de 1 de janeiro de 2024. Apesar de mais uma manobra ilusória através de uma norma transitória, a verdade é que a medida já consta em Orçamento de Estado e será progressiva.
Ou seja, esta reforma tem um limite de 25 euros por veículo em 2024, sendo progressivamente aumentado até que a taxa de IUC represente a totalidade da tributação relativa às novas tabelas, que juntam o CO2 emitido e o agravamento da componente ciclindrada.
Basta uma simulação entre os modelos mais vendidos em 2007 para se ter uma ordem de grandeza da subida deste imposto:
Acresce que estes veículos tiveram uma tributação mais elevada no momento da aquisição, através do antigo imposto automóvel, e que após 1 de julho de 2007 a legislação foi alterada, passando essa carga fiscal do momento da aquisição para a sua vida útil. O IUC das viaturas anteriores a 1 de julho de 2007 manteve-se mais baixo precisamente para garantir equidade fiscal entre todos os contribuintes.
Esquecer esta premissa é lesiva dos direitos dos consumidores e traduz-se apenas num aumento de impostos sem justificação. Ou será apenas um ato de má-fé para o Estado reaver receita, já que foi obrigado pela União Europeia a devolver o que cobrou indevidamente com a dupla tributação nas viaturas usadas importadas?
Outro ponto a realçar é a justificação do Governo para este aumento brutal do IUC. Baixar as portagens nas ex-SCUT sim, combater a interioridade e a sazonalidade sim, mas sem penalizar os contribuintes com menos recursos.
O parque automóvel nacional tem cerca de 25% de viaturas com mais de 20 anos e 19,4% com mais de 15 anos. O Governo encontrou nestes 2,4 milhões de contribuintes mais uma fonte de esmifro fiscal com consequências avassaladoras para a economia.
Lisboa, 11 de outubro de 2023.