Parte I - A Fiscalidade Verde
A proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017, apresentada na passada semana pelo Governo à Assembleia da República, expõe vários aspetos com impacto direto no setor automóvel, na medida em que denota uma clara opção pelo aumento da tributação dos impostos sobre o património e dos impostos especiais sobre o consumo, em detrimento dos impostos sobre o rendimento. Neste artigo procuramos analisar uma das vertentes da tributação que impende sobre o setor automóvel, designadamente ao nível da assim chamada “fiscalidade verde”, no âmbito da qual se vêm prevendo vários benefícios fiscais, visando promover, por via dos impostos, comportamentos mais sustentáveis do ponto de vista económico e ambiental, penalizando os mais nocivos.
Nessa medida, importa referir que a mensagem passada pelo Governo se assume, nesta fase da discussão, como algo contraditória pois, apesar de se indicarem no Relatório que acompanha a Proposta, claras preocupações no sentido de manter este tipo de políticas - nomeadamente, é indicado que o Ministério do Ambiente se encontra a desenvolver uma nova fiscalidade verde que inclua benefícios fiscais que promovam comportamentos ambientais positivos - na prática, verifica-se uma proposta de significativa redução dos incentivos existentes.
Na verdade, a denominada Lei da Reforma da Fiscalidade Verde (Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro) que havia reintroduzido um regime excecional de incentivo fiscal à destruição de automóveis ligeiros em fim de vida, traduzido na redução do ISV na aquisição de veículos elétricos e híbridos plug-in, sofre um forte revés com a Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2017. Se, por um lado, se elimina totalmente o incentivo à aquisição de veículos elétricos (atualmente estava prevista uma redução do ISV no valor de 2.250 euros), já na aquisição de veículos híbridos plug-in, verifica-se que, apesar de se propor a manutenção da norma que determina a redução do ISV como incentivo fiscal à introdução no consumo de veículos novos de baixas emissões, esta redução passa a estar limitada ao valor de 562,50 euros, ou seja, em valor 50% inferior ao que vigorou em 2016 (de 1.125 euros). Além do mais, esta isenção, que até agora era de aplicação automática, passa a estar dependente da aprovação do pedido efetuado por via de um requerimento, a apresentar pelo contribuinte à Autoridade Tributária em momento anterior ao da aquisição do veículo. Este requerimento é obrigatoriamente instruído com uma fatura pró-forma do veículo a adquirir, onde deve constar o número do chassis e a emissão de CO (índice 2). O contribuinte apenas poderá adquirir o veículo com a redução de ISV após a confirmação do reconhecimento expresso desse direito, pela Autoridade Tributária, devendo a aquisição ser formalizada no prazo de 6 meses, sob pena de caducidade do direito à redução do imposto.
Em face das caraterísticas específicas do setor automóvel e das necessidades dos consumidores a esse respeito, os prazos previstos podem dificultar o processo de aquisição, podendo mesmo ser um fator adicional de penalização deste setor em concreto, se tivermos em conta o preço destes veículos. Esta burocratização parece constituir, por isso, um fator desmotivador da utilização do benefício fiscal consagrado.
Com efeito, as preocupações ambientais parecem refletir-se unicamente na tributação agravada para os veículos mais poluentes que venham a ser introduzidos no consumo a partir de 2017, abandonando uma tradição (mais ou menos contínua na última década e meia) de favorecer também a troca de veículos poluentes. Esta situação, em face da tão debatida política de utilização da tributação como instrumento modulador de comportamentos que tanto tem ocupado a opinião pública – por exemplo, na discussão em torno da criação da mediática “fat tax” sobre os refrigerantes – é manifestamente contraditória com o que se propõe para o novo Orçamento do Estado nesta matéria. Sobretudo se pensarmos nas políticas que se impõem internacionalmente e que, numa ótica de evolução, exigiriam o aumento do número e extensão das medidas fiscais amigas do ambiente e não a sua redução.
(Este artigo é o primeiro de uma série de três artigos de opinião dedicados à fiscalidade do setor automóvel)